A luta do M.E. da UNESP contra o PIMESP e pela adoção de cotas raciais para o vestibular.

Rafael Tavares Dias
6 min readJun 30, 2021

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Anhagabaú, na frente da reitoria, no dia da 2° acupação.

Texto feito pela Resistência Popular Estudantil — Núcleo de Marília como contribuição para o debate sobre cotas raciais na UNESP na ingressada do M.E. de 2020 do Campus de Marília. Este debate fazia parte do conjunto chamado “Negressada”, uma composição específica para discutir raça e suas relações com a universidade. Este texto trás aspectos práticos na história da luta do Movimento Estudantil de um ano tão polêmico que foi 2013.

Anunciado no final de 2012, o PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista) era um plano de metas que anunciava que, gradativamente até 2016, 50% das vagas das USP, UNESP, UNICAMP, FAMEMA, FAMERP e FATECs seriam ocupadas por alunos egressos do ensino médio público. Destes 50%, 35% seriam destinadas a candidatas/os Pretas/os, Pardas/as e Indigenas (PPI). A origem do programa se deu em reuniões do Conselho de Reitores das Universidades do Estado de SP (CRUESP) e, segundo Carlos Vogt, cocriador do programa e na época presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), “[…]a capacitação [do aluno ingresso] é o principal objetivo do Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), podendo ser comparado aos ‘colleges’ americanos. Trata-se de cursos sequenciais de capacitação e formação superior de dois anos com diploma que habilita o aluno a atuar em áreas que não exigem formação técnica específica[…] O ICES será semipresencial para que o aluno de regiões mais remotas e periféricas tenha acesso a essa formação de casa e frequentando o ambiente acadêmico. A partir desse curso, o aluno pode optar por tentar ingressar na faculdade.”

Sob um olhar crítico, o verdadeiro conteúdo da proposta seria mais um empecilho para o ingresso da juventude pobre, negra e indígena, uma vez que, participando do programa, estaria posto mais dois anos até a matrícula na universidade. O programa tem uma série de pressupostos racistas, dentre eles, é assumido que sem esse período de “capacitação” a/o aluna/o não teria condições acompanhar o conteúdo da graduação, que essa juventude — tão excluída do ensino superior — poderia diminuir o rendimento e o renome das instituições. Além disso, o objetivo de entregar um diploma técnico ao jovem que tiver completado os dois anos é de desestimular ao ingresso pleno na universidade, pois a condição de vulnerabilidade material de uma/um estudante pobre lhe impele ao mercado de trabalho o quanto antes. Outro fator importante do programa é que seria semipresencial, dessa forma, cabe aqui todas as críticas a Educação a Distância, como a ausência de estudo sobre as condições de estudo nas casas de bairros periféricos, ou a segregação geográfica que se reproduz, uma vez que a proposta parece preferir manter a juventude pobre distante a ter que expandir suas estruturas físicas e acadêmicas.

No entanto, as cotas raciais e sociais já tinha sido bastante discutidas desde a década de 80, dentro da academia e, em especial, no Núcleo de Consciência Negra da USP. Ou seja, o debate sobre as cotas raciais, diferente do PIMESP, existia com bastante adesão do Movimento Negro e de forma muito mais madura. Mesmo assim, em 2012, o Governo do Estado de SP indicou que se o PIMESP fosse implementado nas universidades, então elas receberiam respaldo orçamentário. O que salta ao olhos neste movimento é que o Estado de SP estava estimulando a implementação do PIMESP, enquanto que desidratava a proposta das cotas raciais. A escolha do destino dessa verba foi político e racista, pois é evidente que para a implementação de cotas nas universidades seria necessário um maior repasse de verba anual, tanto para adequar o programa quanto para desenvolver políticas de permanência estudantil para quem ingressasse.

Em resposta a proposta do PIMESP, no final de Abril de 2013, os campus de Marília, Ourinhos, Assis, Rio Claro, Rio Preto, Bauru e Botucatu entraram em uma forte greve. O segmento estudantil estava mobilizado a ponto de promover ocupações nestas faculdades, gerindo a manutenção da própria greve. Ocupações de direções e salas de aulas em cada cidade, variando com a força do movimento estudantil de cada unidade. No contexto geral, a greve estudantil foi deflagrada semanas antes da greve de servidores, que somaram neste movimento. O período foi na altura de Abril/Maio, pois naquele período a UNESP liberava neste intervalo de meses o resultado da seleção de bolsas permanência para estudante, bem como a Data Base dos servidores.

O reajuste salarial de servidores estava comprometido pela REItoria que sinalizava uma contenção de gastos. No caso das bolsas estudantis, naquele ano, quando o resultado foi publicado verificou-se um baixíssimo número de estudantes pobres contemplados. Este fator foi crucial para a deflagração da greve em 2013.

Nos dias 14, 15 e 16 de junho, realizou-se um Concelho de Entidades Estudantes da UNESP e da FATEC (CEEUF) que tinha como pauta de discussão o PIMESP, a PARIDADE UNIVERSITÁRIA e PERMANÊNCIA ESTUDANTIL1. Estavam juntos mais de 50 representações de cursos e faculdades, CA’s, DA’S, Comissões de Moradias e Cursinhos. Além da estudantada da UNESP, também estavam presentes delegações de estudantes da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ambas em greve. Na manhã de Domingo, talvez durante a plenária final, foi deliberado um corte de rodovia para declarar solidariedade entre as greves estudantis no Rio de Janeiro, Goiás e Ao Movimento Passe Livre de SP. Bem como indicar para REItoria da UNESP em que pé que a discussão ocorreria.

Corte de rodovia em frente a UNESP de Marília, sede do CEEUF em Julho

Nesse ano, ocorreram duas ocupações da REItoria da UNESP (em São Paulo), no dia 27 de junho e em 16 de julho. Houve por parte do M.E. a tentativa de dialogo com a REItoria e realizou-se duas negociações, a primeira com a Vice REItora Marilza Vieria Cunha Rudge (pois o REItor estava de férias) no dia da ocupação e a segunda, marcada posteriormente, com o próprio REItor Julio Cezar Durigan. Nesta segunda negociação ficou claro para o M.E. que a REItoria não estava disposta a discutir com a comunidade, pois apresentava revisão de acordos já decididos na primeira negociação, fazendo novas propostas mais vagas e evasivas.

O autoritarismo da REItoria, a ausência de uma política séria de Permanência Estudantil na UNESP e a ameaça do PIMESP eram as principais pautas do M.E. da UNESP. Nesse contexto, após as duas reuniões frustradas com a REItoria, Durigan acha por bem viajar de férias (pela segunda vez naquele mês). O M.E. não teve dúvidas, esse era cenário da segunda ocupação de REItoria da UNESP. A mobilização do M.E. da UNESP contava com 10 campi em greve estudantil (Ourinhos, Marilia, Assis, Botucatu, Franca, São José do Rio Preto, Bauru, Rio Claro, Araraquara e São Paulo).

A ocupação de REItoria acabou na madrugada do dia seguinte, com a tropa de choque invadindo a ocupação, batendo em estudantes e depredando o patrimônio da UNESP. Vale salientar que não havia nenhuma policial mulher e nenhum mandato. Ao todo, 113 pessoas foram enquadradas em crimes tipificados como “dano ao patrimônio e esbulho possessório”, porém, em um segundo momento, o processo de repressão deixou de correr externamente e passou para 95 processos de sindicâncias (interno a universidade).

Com esse movimento, ficou insustentável para a Universidade não negociar seriamente com o segmento estudantil, enxergando as críticas ao PIMESP e a relevância de nossas pautas. De fato, conquistou-se uma série de avanços na Permanência Estudantil2, bem como o PIMESP foi vetado na UNESP. Em contra posição, a UNESP foi a primeira universidade do Estado de SP a implementar Cotas Raciais e Sociais já em 2014.

1Sabe-se que este não foi o primeiro CEEUF daquele ano, porém não há registros do conselho anterior. Relatos apontam que a pauta do primeiro conselho girava entorno do fortalecimento da greve estudantil e no debate da do PIMESP, cotas e permanência estudantil.

2(expansão do número de auxílios socioeconômicos e do número de refeições em alguns R.Us, reforma em outros, criação de comissão paritária dedicadas exclusivamente à permanência estudantil e, desde então, o repasse anual para permanência estudantil nunca foi menor que o ano anterior)

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