O que é filosofia? Um vórtice!

Rafael Tavares Dias
5 min readAug 16, 2021

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Texto escrito para aulas de debate e discussão no Ensino Médio.

Vórtice gerado pela ponta de asa de um avisão. Eles são encontrados nos mais diversos locais da natureza, como correntes circulares de águas vindas de marés conflitantes, em uma ilha no meio do oceano, furacões, tornados e até quando se mexe uma xícara de café.

Sabe-se que Filosofia é uma disciplina curricular nas escolas do Brasil e do mundo. Sabe-se também que a filosofia possui uma longa história, de milênios de existência. É comum encontrar quem acredite que a filosofia é uma matéria chata, ou abstrata de mais, ou ainda nem um pouco prática. Alguns dizem que a filosofia não serve para nada — inclusive, muitos filósofos e filósofas concordam com isso!

Como é possível dizer uma coisa dessas? Oras, não é tão difícil, pois basta saber o que é filosofia para poder ter um julgamento sobre ela. Porém, eis aqui nossa principal pergunta: que é a Filosofia? É possível responder através da etimologia da palavra. O termo “Filo” em português significa amigo, ou amizade, já o termo “Sofia” significa sabedoria, logo, “filosofia” seria amigo do saber. Pois bem, reconhecemos que filósofos e filósofas sejam sábios e que se dediquem a pensar sobre… sobre o que? Sobre o que filósofos e filósofas sabem?

Pois bem, vamos então partir daí, por enquanto. A sabedoria é sempre algo que é possuído por alguém, pois não há sabedoria andando por aí pelas ruas ou pelas matas. Não, a sabedoria é um atributo de alguma pessoa de um sujeito. Além disso, a sabedoria é sempre sobre algo, pois aquilo que é sabido é alguma coisa, de forma que não existe conhecimento sobre nada, mas somente sobre alguma coisa.

Portanto, concluímos que a sabedoria é o saber de alguém sobre alguma coisa, uma relação de sujeito (alguém) e objeto (coisa). Mas agora encontramos mais um problema. É verdade que, se a sabedoria é sobre alguma coisa, e partindo do fato de que existem muitas coisas diferentes entre si, então podemos sugerir que existem sabedorias diferentes entre si também. Chamamos essas diferentes sabedorias cada uma pelo seu nome que designa sua principal qualidade e atribuição.

Por exemplo, o saber sobre a vida é aquele da biologia, uma ciência dedicada a estudar tudo sobre os seres vivos, desde seu funcionamento fisiológico até suas relações ecológicas. Outro exemplo, as religiões que existem também falam sobre a vida, também proferem sabedorias sobre a vida, por exemplo, premissas e dogmas da moral religiosa e a fins. A questão que nos aparece é que, então, tanto a biologia quanto as religiões falam sobre o mesmo objeto, ainda que seus métodos e conclusões sejam diferentes!

Então, concluímos até agora que

1) O saber é produto da relação de um sujeito com um objeto;

2) Que por existirem diferentes objetos, existem também diferente saberes;

3) E que por existirem diferentes sujeitos, também existem diferentes métodos para alcançar o saber;

Ou seja, um sujeito cientista que estuda a vida terá saberes diferentes dos [saberes] produzidos pelo sujeito religioso, ainda que falem sobre a mesma coisa.

Mas entre os sujeitos cientistas, ainda há uma pluralidade bastante vasta. Há o químico, o biólogo, o físico, o economista político, o geógrafo, o fisioterapeuta, o analista de sistemas etc. E entre os sujeitos religiosos também, há os cristãos, os muçulmanos, os budistas, os de candomblé, os kemetistas, os de matriz indígena etc.

Diante dessa pluralidade de sujeitos, de objetos e de saberes, onde é que se encontra o sujeito filosófico? Será também que existe um objeto puramente filosófico, que nenhuma outra ciência estude? E será que existe um método de conhecimento genuinamente filosófico?

Quando iniciamos o estudo sobre filosofia ocorre, já de início, algo diferente de quando iniciamos o estudo sobre outras disciplinas. Em geral, as ciências sabem sobre si e sobre seus objetos, mas a filosofia não — ela não parece ter um objeto evidentemente posto e nem um método para se debruçar sobre esse objeto.

Portanto, quando na filosofia, pergunta-se primeiro: o que é filosofia?

Essa pergunta é talvez a primeira pergunta que poderíamos fazer para alcançar o devido cuidado em estudar a filosofia. Porém, uma coisa acontece nessa pergunta que nos leva a outra pergunta e a nenhuma resposta imediata. Perguntar sobre o que é filosofia é uma pergunta filosófica? Tentar responder uma pergunta filosófica e filosofar? Se estamos filosofando, então já não deveríamos saber o que é filosofia? Se sabemos o que é filosofia, por que nos perguntaríamos sobre sua natureza? Em meio ao vórtice de perguntas que criamos, aparentemente cíclicas, podemos palpitar algumas coisas e arriscar algumas respostas a partir de nossas percepções e reflexões.

Ora, parece que a filosofia é movimento, pois nos levou de uma pergunta a outra, e poderia continuar nos tragando para questões cada vez mais profundas. O movimento da filosofia não é qualquer movimento, como o da física, por exemplo, mas ele tem algo específico, pois eles era auto referente e totalmente teórico. Ou seja, a filosofia tem a forma do pensamento que produzimos, ela é feita de pensamento e se dedicou a pensar sobre ela mesma, ou seja, a filosofia é o pensar o pensamento.

Mas novas dúvidas surgem agora! Como é esse pensar? Qual sua ordem? Qual sua origem? Será que ele serve para alguma coisa? Será que seria melhor que não pensássemos? Será que ele serve para alguém?

Diante de tantas perguntas, podemos verificar que a filosofia é uma fonte de perguntas, muito mais do que uma fonte de respostas. Ou será que para toda pergunta já deve haver uma resposta que ainda não foi descoberta, ou que ainda não foi construída? Contudo, a filosofia consegue, filosofar sobre si mesma, é fato, é o que estamos fazendo agora. Mas, se antes de começar a filosofar precisávamos saber o que era filosofia, e se para saber o que é isso já começamos a filosofar, então a verdade é que fomos sujeitos da filosofia construindo os saberes sobre ela mesma enquanto nos movíamos de pensamento em pensamento, de questão em questão.

Filosofia é movimento, está a se mexer incessantemente em direção a qualquer objeto, em direção à qualquer coisa de nossas vidas. Mas, contraditoriamente, mergulhando nesses objetos dispersos em nossa vida, quando filosofamos sobre eles, encontramos justamente a própria filosofia ali no centro da coisa. A filosofia é um movimento de reflexão em direção ao mundo, mas que em todo “canto” que vai, acaba por se encontrar.

Portanto, mais algumas perguntas: Será possível uma vida sem filosofia? Se sim ou se não, quem será que ganha e quem será que perde em deixar de filosofar?

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